quinta-feira, junho 24, 2010

Conto: Saltadores Cheiradores de erva

Conto escrito por Ocimar Raphael Gama. (inspirado e baseado no seu livro, ainda em desenvolvimento).

Imagem retirada da Internet
 Na pequena vila, quando a noite caiu, a sinistra névoa aparecieu novamente. Os moradores que estavam apreensivos, se recolheram para seu lar, fecharam portas e janelas, todos estavam temendo algo, nenhum morador sabia ao certo o que estava errado, mas aqueles que ficavam para trás, desapareciam sem deixar rastros.

 Dentro de sua casa, uma senhora, não muito velha, porém, com marcas de expressões e de trabalho duro, ela estava terminando de verificar se trancou tudo, vestida com roupas simples e desgastadas e a sua casa não tinha luxo, apenas o necessário para viver.

 A Senhora estava ansiosa e um pouco nervosa até que uma batida na porta chamou-lhe a atenção, ela atendeu, aliviada ao ver quem era, um homem um pouco descuidado mas, aparentemente, da mesma idade, ela o deixou entrar.

 - Graças ao nosso bom Deus!! Eu já estava começando a ficar preocupada. - o abraçando e olhando como se estivesse procurando por algo.
 - Calma mulher, já voltei e trouxe o balde cheio d'água também.
 - E o João, cadê ele? - olhando para os lados.
 - Entra mulher, tenha calma! - puxando-a para não deixa-la sair.
 - Calma? Meu filho está lá fora, sabe-se lá que perigo ronda esta cidade, e você me pede para ter calma?
 - Entra nessa casa logo Gerusa! - irritado, ele a puxou para dentro e trancou a porta.

 Sentados em seu humilde sofá, de tanto esperar, eles acabam pegando no sono, e acordaram com uma batida na porta que os deixou apreensivos, sem dizer uma palavra e gesticulando para a Gerusa, Benedito não queria que sua mulher abrisse a porta, porém, esperando que fosse seu filho, ela o ignorou e abriu sem seu consentimento.




 - Pensei que fosse o João... - triste, terminando de abrir a porta, e dando uma olhada ao lado de fora da casa, que agora, já estava sem a névoa e as pessoas, agitadas, procuravam saber o que aconteceu com seus vizinhos e quem foi o alvo dessa vez.
 - Ele não está ai? - perguntou surpresa.
 - Ele não conseguiu voltar a tempo, estou preocupada Ana. - respondeu quase chorando
 - Não fique assim, vou ver se alguém o viu por aí e depois a gente conversa. Onde ele estava da última vez?
 - No poço, ele foi pegar um balde d'água com o Benedito.

 Gerusa entrou em sua casa e fechou a porta. Ana andava devagar, percorrendo o caminho com cautela e observando tudo, mas durante o trajeto até o poço ela nada encontrou, quando chegou no local ficou observando com um olhar de suspeita, mas parecia que ninguém tinha passado por ali, apesar da baixa visibilidade pois estava escuro e a região não contava com iluminação externa, aquele pedaço de terra estava deserto, os moradores estavam afastados dali, não queriam ficar longe de suas casas caso algo acontecesse. Ana, ouviu que alguém estava se aproximando, ela ficou um pouco assutada e se escondeu, então, alguém se aproximou do poço e o utilizou para pegar água.

 Enquanto esperava inquieta a pessoa se afastar, uma voz de um homem quebra o silêncio e a Ana fica paralisada.

 - Eu sabia que te encontraria aqui. - Ana ouviu o homem dizer e em seguida um estalido.
 - Normal, preciso de água. - disse a voz de uma mulher – o estranho é você estar aqui e com uma arma tosca apontada para mim.

 Ana percebeu que a voz do homem não falava com ela, e sim, com outra pessoa que estava presente, que ela ainda não sabia quem era, sua curiosidade era tanta que ela decidiu levantar a cabeça um pouco para ver quem eram as pessoas. Para sua surpresa, a mulher, que na verdade era uma senhora, ela à vira antes, apesar de nunca ter falado com ela ou escutado sua voz, não fazia muito tempo que esta senhora se mudou para a região, ela morava na casa mais afastada do poço, longe da vista de curiosos, alguns a chamavam de feiticeira, pois algumas pessoas necessitadas a procuravam às escondidas para resolver seus problemas, alguns boatos confirmam que seus feitiços funcionavam. De aparência medonha, apesar de sempre ficar camuflada, alguns moradores perceberam que ela não tinha uma das pernas, no lugar era uma perna de pau e usava sempre roupas longas e escuras para não verem o que não deveriam.

 - Me diga, onde está o pobre garoto? - disse o homem com um tom acusador.
 - Não sei do que você está falando...
 - O Garoto que todos falam nos quatro cantos da cidade!
 - Não seja tolo, o que eu faria com um simples garoto? - a senhora questionou o homem.
 - Não sei ao certo, mas livre você não vai deixa-lo após usa-lo.

 A Mulher soltou uma gargalhada e virou-se de costas e seguiu, manca, para a sua casa, porém foi interrompida pelo homem, que a Ana nunca o tiha visto antes, ele estava vestido com roupas pesadas e acessórios pendurados nelas e segurava um tipo de arma que ela ainda não tinha visto, e carregava uma espécie de mochila clara nas costas.

 - Onde vai matina? - ela vira de frente para ele e o encara.
 - Do que me chamou? - olhando incrédula para o sujeito.
 - Isso mesmo o que ouviu, Matina, ou esperava conseguir se esconder de mim por mais tempo? No começou foi complicado, confesso, mas te encontrei. - abriu um sorriso amarelo.
 - Então você é o responsável pela captura de alguns do meu povo? - perguntou confusa.
 - Se você se refere a aqueles Saltadores Cheiradores de Erva, sim, peguei alguns deles, mas ainda faltam muitos. - riu do que ele mesmo disse.
 - Isso acaba aqui! - ela soltou o balde e fechou os olhos.

 A Feiticeira começou a balbuciar palavras incompreensíveis e fez movimentos leves com as mãos e uma brisa suave começou a soprar, e aumentar vagarosamente a velocidade da força do vento. O Homem não sabia o que ela estava fazendo, nunca presenciou algo do tipo, por isso ficou aflito.

 - O que está fazendo? Invocando eles? - disse o homem com um tom preocupado.

 Ana estava inquieta no seu canto, percebeu o que ela estava tentando invocar e que a velha também estava tentando hipnotizar o homem armado para deixa-lo sob seu comando. Ela não teve dúvidas, tirou suas conclusões, ela se levantou e pegou o balde da velha que estava caído no chão, vazio, e bateu uma única vez com toda a força que tinha na cabeça dela, que de imediato caiu no chão resmungando de dor. Um sorriso de satisfação se abriu no rosto de Ana, porém, logo se fechou quando viu que surgiram umas criaturas ao redor dela e do homem, os deixando cercados.

 - Ops! - disse Ana percebendo que se metera numa encrenca ainda maior.
 - Quem... é... você...? - disse o homem, voltando a si, falando com a garota.
 - Vamos deixar esse assunto para depois, pois temos um probleminha aqui.

 Ele olhou em volta e viu quem os cercava, a Ana nunca os viu antes. Estes estranhos seres tinham seu rosto limpo e sua pele escura, andavam com uma única perna, assim como a velha, porém eles não tinham uma perna de pau no lugar da outra, seus trajes eram pequeninos e feito com couro de boi, apenas para cobrir as partes intimas, pareciam com humanos comuns se não fosse pelo ar selvagem que tinham, aparentavam ter um pouco mais de idade do que a garota.

 - Só tenho uma arma, não conseguirei pegar todos...

 Ana não ouviu o restante da frase, pois adentrou num turbilhão de vento misturado com poeira, terra, pedrinhas e folhas secas, ela não aguentou a pressão que isso fazia em sua cabeça e acabou desmaiando. Quando acordou estava amarrada numa árvore, e o tal homem estava amarrado em uma outra árvore próxima, ainda desacordado e alguns dos estranhos seres, ao contrário dos primeiros que ela viu, eles estavam com o rosto parcialmente pintado de branco, outros, com apenas algumas faixas, circulando por ali e também eram mais jovens, não parecia haver bebes no grupo, entretanto, Ana logo localizou um, e para sua surpresa, com as duas pernas, ele estava chorando mas o barulho estava sendo abafado por um dos seres com o rosto limpo.

 Os saltadores ficaram agitados, tochas foram acesas iluminando ainda mais o ambiente, eles começavam a formar um pequeno circulo em volta da pedra e outro maior em volta do primeiro circulo, os componentes do menor, com rostos pintados, andavam em direção horária e o maior, com o rosto limpo, anti-horária, pulavam alegres e cantavam em um idioma estranho, alguns segundos depois, um pequeno e estranho pássaro de um pé só, ele pousa na bancada de pedra e depois saltou para o chão e se transformava na senhora, Matina, e do meio das árvores saiu dois garotos, o primeiro, era mais jovem e tinha as mesmas características dos saltadores, seu rosto inteiro estava pintado de branco, o segundo, Ana reconheceu, era o João, ela gritou pelo nome dele, mas com o barulho ele provavelmente não a escutou.

 Após um breve movimento com as mãos, tudo ficou em silêncio, ela tirou a venda dos olhos do João, fez um discurso no mesmo idioma que os seres estranhos estavam falando antes e os ouvintes exclamavam excitados, no meio do discurso ela apontou para o homem amarrado que nessa hora já havia despertado e que pelo seu olhar, ele sabia exatamente o que estava acontecendo.

 - O que está acontecendo? - Ana sussurrou para o homem.
 - Ela vai liberta-los! Levei dias para caçar e prende-los! Os demônios! - respondeu pasmo.
 - Do que você está falando?! E o que o meu amigo tem haver com isso?! - disse, sem entender nada.
 - Você é cega?! Ela precisa de alguém puro de coração para abrir as garrafas!
 - Ainda não entendi.
 - Aquelas garrafas são prisões pra cada demônio, assim, depois de capturado eles não podem fugir pois suas tampas são marcadas com símbolos e tem cipós especialmente preparados e com dentes de roedores feitos por uma seita para prende-los, uma vez fechado, só pode ser aberto por alguém ingênuo, tolo, entendeu?
 - Você está querendo dizer que essa feiticeira sequestrou meu amigo para usa-lo?
 - Mais ou menos. - o homem respondeu envergonhado.
 - Como assim? - interrogou Ana.
 - Não foi a feiticeira quem o sequestrou, foi eu.
 - O que?! - exclamou surpresa.
 - Calma, todos iriam voltar logo para casa, só teríamos que esperar que a Matina se mudasse novamente...
 - Você é louco?! Não é possivel uma coisa dessas...
 - Você não entende, estes seres são coisa ruim.
 - São? Não reparei nada de ruim neles, só em você.
 - E você não notou o que vai acontecer aqui ainda, notou?
 - Não, então me digas você, o que vai acontecer aqui?
 - Hoje serão feitos dois rituais aqui, um de iniciação e o outro de salvação, o garoto negrinho, com o rosto inteiro pintado de branco, signifca que ele está pronto para iniciar seu ciclo de vida como saltador oficial.
 - E o que nós temos a ver com isso? - Ana o questionou.
 - Calma, deixa eu terminar de falar guria, faltou o ritual de salvação, você como será feito isso?
 - Não tenho a minima idéia. - respondeu com siceridade.
 - Você vê aquele bebê? - apontando para a criança - O que ele tem de diferente dos seus irmãos?
 - A perna, ele duas... - parou, não quis completar seu pensamento.
 - Isso mesmo, eles vão amputar a perna do menino!
 - Mas... por quê? - perguntou horrorizada. - O ritual não é de salvação?

 O Homem iria responder mas foi interrompido pelo barulho que vinha dos seres, estavam muito animados pois estavam revendo seus entes queridos e iam sentando afastado do João para compartilhar seu fumo, a erva, e ficavam muito animados.

 - Agora entendi por que você os chama de "Saltadores cheiradores de erva".
 - Sim, é isso o que eles fazem, seus primos são muito mais sensatos.
 - Que primos? - perguntou Ana curiosa.
 - Os Pererê.

 Ana ficou estupefata com a informção. O Silêncio novamente predominou o ambiente, pois o garoto, o João, terminou de abrir todas as garrafas presentes,e por isso, a Feiticeira voltou a falar.

 - Agora você pode ir e leve sua amiga com você, enquanto ao outro, - olhou para o homem, que se encolheu - ele vai ficar por aqui, precisa pagar pelo o que fez ao nosso povo.

 João rapidamente se dirigiu a Ana e a desamarrou, não disseram nada, apenas se olharam, e assim foram escoltados para longe dali, quando estavam próximos da vila e sozinhos decidiram falar alguma coisa.

- O que será que vai acontecer com ele?
- Não sei ao certo, mas algo me diz que será algo bem ruim

 Ao longe, é escutado um tiro e um zumbido indistinguivel é escutado, as crianças olham para trás e percebem que um tornado se formou por lá e um estranho grito estridente é dado.

 - Sim, eu quero. - respondeu Ana como se estivesse hipnotizada.
 - Ana? O que você tem? - Ela estava olhando fixo para a região onde estavam, o estava ignorando e repetindo as mesmas palavras "Sim, eu quero, quero muito, com certeza eu quero.

 A Menina depois de uns segundos falando sozinha, ela desmaia mas João a segura e não a deixa atingir o chão, ele fica desesperado por não saber o que estava acontecendo.

 - Ana levanta! Acorda menina! - sacudindo mas sem chances de sucesso.

 Ele ficou ainda ficou insisitindo até que seu corpo começou a emitir uma estranha luz, João não conseguia mais olhar para ela, mas sentiu que o corpo de sua amiga mudava de forma, quando olhou novamente, ele viu um pássaro em suas mãos que logo saiu voando.

- Ana? Anaaaaaaaaaaa!


FIM.

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