Samba Danças, um ícone boêmio
No rádio, o slogan, do início dos anos 60, incitava: "Sambe Dançando no Samba Danças". Não precisava dizer mais. Todas as noites, das 22 às 4 horas pela pista de dança circular como as arenas das touradas espanholas, dançava-se e se fazia história - às vezes, até com H maiúsculo.
Inaugurada em 7 de fevereiro de 1944 na esquina da Rua General Camara ua Brás Cubas, a casa introduziu na cidade uma moda já bem em voga no Rio de Janeiro e São Paulo: o Taxi-dancing. Como o nome sugere, tratava-se de dança de aluguel.
No salão, para algo em torno de 50 a 100 pessoas - mas ha quem diga que cabiam 200 - bailarinas aguardavam os clientes. À Entrada, no guichê, retiravam o que seria um cartão de consumo. Só que ao invés de bebidas ou petiscos, como acontece nos bares de hoje em dia, a consumação marcada era a dança.
Assim, toda vez que o cliente adentrava a pista, o cartão era picotado e o tempo utilizado com a bailarina começava a correr. Ao final, os picotes indicavam o tamanho da conta dançante do cliente. E a contagem não tinha a duração nem de uma música inteira: era por minuto mesmo.
"Saía para dançar com a bailarina, os fiscais (picotadores) ficavam de olho, para ver quantos minutos a pessoa dançava para marcar depois", relembra o jornalista Eymar Mascaro, de 70 anos, freuentador assíduo da casa, já nos anos 60.
Ele também se recorda de que, nessa época, o minuto de dança era muito caro, custando cerca de R$ 5,00 - quantia suficiente para inibir muito adeptos do vai-da-valsa.
(Clique na imagem para ver em tamanho maior e ler as observações, ilustração tirada do jornal "A Tribuna" de Santos, SP)
Matriz ou Filial
Bolero, samba, tango. Os ritmos eram vários, a música frenética. Pelos dois palcos da casa, sempre duas orquestras se revezavam. Enquanto uma fazia um merecido intervalo, a outra entrava em ação. Marcaram época as de Bonfim e J. Pinto, ainda nos anos 40 e 50, e nos anos 60, é lembrada a de Luiz César, cujos integrantes invariavelmente usavam um terno cinza como uniforme.
"A Música mais festejada era o samba em geral. O crooner Mário Santiago, que tinha a voz parecida com a de Jamelão, costumava apresentar canções dele". diz Eymar.
Na voz de Mário, recorda-se de Matriz ou Filial, gravada pela primeira vez por Jamelão. Quando soavam os primeiros acordes, grupos se levantavam e caíam na dança com sa bailarinas, fosse pelas danças em si, ou como uma homenagem velada ao seu compoitor, o santista Lúcio Cardim.
Matriz ou Filial trata das dúvidas e percalços do amor e os primeiros versos, "quem sou eu / pra ter direitos exclusivos/ sobre ela", são quase um retrato das relações entre clientes, músicos e bailarinas no Samba Danças.
Mas nem todos se conformavam com essa regra tácita.Alguns queriam, sim, direitos exclusivos.
"Na orquestra, tinha um pistonista que tocava magnificamente bem e era apaixonado por uma bailarina. Um dia ficou tão irritado, tão apaixonado que bateu com a cabeça na porta de ferro (da entrada)".
Apesar do arroubo de desespero, felizmente o músico sobreviveu: sacudiu a poeira e continuou tocando seu pistão, madrugada adentro.
Tiros e Uísque
No Samba Danças de um mdo geral, a convivência era pacífica. E muito disso se devia a imponente presença de Negolando ou Nego Orlando - o mais próximo que se chega de seu nome completo, perdido nas brumas da memória.
Ele era o xerife do Samba Danças, o mantedor da ordem. A qualquer custo. Certa vez, conta-se que numa confusão entre um cliente e o Fernando, um dos donos, no escritório da casa, Nego Orlando disparou seu 38 Smith & Wesson.
Ato contínuo, Zezinho, receoso de que teriam ouvido o disparo, saiu pelo salão distribuindo uísque pelos copos que encontrava pelo caminho para acalmar a clientela.
Já em outra ocasião, o disparo aconteceu no próprio salão de dança, quando um cliente maltratou uma bailarina. Nego Orlando interpelou o mal educado e, em resposta, recebeu um desacato. E como desacato não é coisa que se leva para casa, o Smith & Wesson berrou mais alto e o tiro pegou na barriga do sujeito. Em ambas ocorrências ninguém morreu.
Mas Nego Orlando era muito mais do que um leão-de-chácara. Era também um exímio dançarino e não se furtava de mostrar a sua arte: funcionava, inclusive, como um dos animadores que puxava um dança quando o movimento na pista titubeava para animar os clientes a dançar - e gastar.
Amizade e Curtição
Gaúcha. Mineira. Grega - mas nascida no Brasil, diga-se. De qualquer forma, para João Teixeira, de 63 anos, a geografia era uma só. "As mulheres eram deslumbrantes", relembra.
Em meados dos anos 60, aos 17 anos, João foi não só um frequentador assíduo do Samba Danças, como também trabalhava na boca santista, como garçom, na boate Flamingo. "Saía 2, 3 horas da manhã do trabalho e ia direto para o Samba Danças".
João dançava. Ás vezes apenas admirava quem dançava melhor. Ele e todo o salão. "Peixinho, João Batata, dançavam muito. Eram os reis do bolero".
Mas João tem mesmo saudades das saias rodadas vermelhas, das flores no cabelo ou dos brincos grandes das bailarinas, que ganhavam pelas danças. Programas, por amor ou por dinheiro, não estavam descartados.
Como o desafortunado pistonista da orquestra, Joãonunca chegou a se apaixonar por uma bailarina. Mas teve, como diz "amizade" e "muita curtição". "Se gostasse de você e você dela, saíam com você na madrugada, tomavam um lanche, acabava-se no hotel"
Muitas, vindas do Paraná, do Rio Grande do Sul ou da Capital, ficavam instaladas no Convento - uma casa a uma quadra do Samba Danças, na esquina da Rua Brás Cubas com General Câmara. Lá homem não entrava. Essa era regra, respeitada por todos. E ponto final.
Ponto Final? Foi em 1969, quando se dançou o último tango, não em Laris, mas no Samba Danças. Hoje, restam apenas ruínas do prédio que outrora foi um símbolo da boemia santista. João atualmente dona da lanchonete Juca Pato, localizada em frente ao local onde era o Samba Danças, tem que encarar aquelas ruínas todos os dias. "É uma tristeza ver isso nesse estado".
Ruínas que, no fundo, refletem a sua própria mocidade, tão fugaz, passou. "Era uma época bonita, gostosa. Infelizmente, não volta mais".
O Bandido da Luz Vermelha
João Acácio Pereira da Costa, o famoso Bandido da Luz Vermelha, era um frequentador assíduo do Samba Danças. "Era uma figura diferente. Dançava e gastava a noite inteira, dava gorjetas de 100 reais. Chamava a atenção", relembra o jornalista Eymar Mascaro. Andava sempre de lenço no pescoço, camisa vermelha e botas e ninguém sabia quem era a figura marcante e misteriosa. Segundo João Teixeira, fora apelidado de João Grã Fino, por conta da indumentária e da prodigalidade com dinheiro. Pelo mesmo motivo, achavam que poderia ser um fazendeiro abastado. "Ele saía do samba Danças às 4 da manhã, ia para o Lanterna Vermelha e ficava sentado no sofá, embaixo de uma lanterninha vermelha... " recorda-se. O Lanterna Vermelha era uma boate contígua ao Samba Danças, dos mesmos donos. "Nossa curiosidade era saber quem ele era". Quando souberam, a comoção. "Fomos lá umas oito horas da noite, esperando uma entrevista. Quando estávamos preparando todo o material, começou a chegar jornalista de tudo quanto é jornal: a história já tinha espalhado". Depois disso, João Acácio sumiu de circulação. Acabou preso alguns anos depois, em 8 de março de 1967, no Paraná, acusado de quatro assassinatos, sete tentativas de homício e 77 assaltos, sendo condenado a 351 anos, 9 meses e três dias de prisão. Ao cumprir 30 anos de cadeia, foi libertado, indo morar em joinville, sua cidade natal. Quando era reconhecido na rua e lhe pediam um autógrafo, apenas escrevia "autógrafo". Morreu em 5 de janeiro de 1998.
Um comentário:
Reformaram a casa, como posso te mandar as fotos atuais?
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